sexta-feira, 6 de maio de 2011

Divisão

Ele estava de novo, dividido. Como sempre acontecia, todo o esforço da conquista, dos elogios, e da sensação de ser para alguém não estava funcionando. Estava de novo tentando pertencer a outra. A viu na rua, apenas a viu e a desejou imediatamente. O jeito meigo, gentil, doce. As pernas descobertas pelo vestidinho leve que usava. A bolsa a tiracolo e os passos indecisos de primavera. E ele nem havia ouvido sua voz. Nem sabia seu nome. Mas era sempre assim. Não havia, ou não há, nada mais atraente do que uma nova conquista. Precisava aprender que é mais fácil conquistar vinte mulheres num ano do que conquistar a mesma mulher durante vinte anos. Precisa se acostumar com isso.
Mas não conseguia. Sabia que não. Era bom demais uma nova conquista com a sensação de ter acabado de conquistar uma. Voltemos, pois, à moça em questão. Um palmo mais baixa que ele, jeito leve, macio. O modo de olhar para o lado e … eu sei, caro leitor, pensas como ele pode reparar isso se apenas a viu na rua. Se apenas a acompanhou com o olhar por duas quadras e meia. Sabe, leitora, quando um homem tem memória e imaginação, tudo pode ser. Sempre. Ele sempre vai ficar imaginando como é uma mulher a partir apenas do modo como ela caminha. O que ela quer e as vezes, o que não quer. Um homem, minha cara, é capaz de se apaixonar imediatamente na rua umas vinte vezes por dia. É sério. E no entanto, ao fim do dia, ele volta ao aconchego da casa, e de sua mulher. Porém, a cara que uma mulher faz transando você só saberá transando com ela.
Mas não era assim que nosso herói se sentia, não era assim que ele conseguia viver. E uma vez mais ele partiria pra outra. Partiria pra outra conquista que talvez durasse um mês, talvez dois, não mais. E então perderia a graça, por que ele veria uma moça graciosa na rua, ou no bar, ou na fila do cinema, ou em qualquer outro lugar. Ou então ele tirará um tempo pra ficar sozinho, pra ser feliz e fumar sem ninguém incomodar. E pra ouvir um punk rock no volume máximo e talvez discutir futebol com o vizinho no mesmo bar de sempre. Eu quero te roubar pra mim. Mas como? Só sei que será.


Como pode ser assim? Antes de tudo acontecer, antes de perder a vontade e deixar a barba crescer. Depois de ter sentido no sangue, na pele e nos olhos a dor da solidão. Não era mais assim depois que tudo havia acontecido e que sua vida tinha sido virada do avesso.
Dois anos depois, ainda doía. Ainda latejava como corte novo. Ainda tinha a certeza que poderia ter dado certo. A primeira vez é sempre a última chance.
Chegando em casa então ele chorou. E só. Estava só. Mesmo estando acompanhado, mesmo estando ao lado de alguém que gostava dele, ele estava só. A solidão que fazia parte da vida dele. A solidão que fazia parte dele. E que não se afastava. Nenhuma delas jamais entenderia. Nenhuma delas jamais entenderia a solidão de ser homem. A solidão de ser ele e somente ele. Nenhuma delas entendia porque ele ia de uma em uma, porque mudava com tanta rapidez de mulheres, e seus amigos sempre tristes pelo entra e sai de mulheres na vida dele.
Solteiro, ah! A vida de solteiro. As mudanças constantes de mulheres, de gostos, de cheiros, de lábios. Uma mulher a cada semana, ou uma a cada dia. Variava um pouco, rouco, num pós show qualquer, ele estava lá. E a viu. E era outra ainda. Ruiva. Cabelos cacheados, pernas torneadas, uma tatuagem na perna. E ela o viu. Conversaram. Riram. Fumaram e se amaram. Por uma noite, apenas.
Como acontecia com todos os romances dele. Como acontecia com todas. Tudo terminou e nada trouxe você aqui.


E outro lugar qualquer, uma calçada, um bar, amigos, bebendo rindo. Uma morena. Outra. Cabelos longos. Short jeans. Blusa branca, acho que conheço ela, pensou. Acabamos no apartamento vazio, nus, com a janela aberta, transando, com alguns vizinhos espiando. Isso foi o pouco que ele me contou. Sabia o que fazer pra conquistar uma mulher. Sabia. Sabe, aliás, que ainda não morreu. Mas sempre, sempre, após a conquista, tudo muda. Perde-se o interesse. Ele perde toda a vontade. Jamais dispensa uma transa, óbvio. Mas todas que passaram pela sua vida, todas, mesmo aquelas de uma noite só, elas sempre contribuíam com algo. Sempre deixavam uma marca. Sempre. Mesmo que ele não lembrasse dos nomes delas. Mesmo assim.


E outra, e outra. E mais outras.

“Na verdade, eu acho que o processo que passamos até chegar na conquista em si é a melhor parte. Nesse momento é onde a gente se inspira,mentaliza mil e uma paradas lindas e bacanas, sonha, faz planos, abre mão de certas coisas, vai atrás e busca aquilo como se não houvesse amanhã. Depois você conquistou, curtiu um tempo (tempinho) e viu que não era tudo aquilo que tu pensava ser, então tu precisa de uma nova meta pra conquistar, a atual fica meio sem sal. Acho que é da natureza humana sempre querer mais e mais tentar tapar um buraco psicológico que há dentro de nós e que fica maior a cada conquista. A grama do vizinho é sempre mais verde, vai dizer?”
Depender da própria dor e solidão é a maneira menos egoísta de viver. Ele pensa que se é pra fazer outra pessoa depender da sua dor pra ser feliz, ou depender da sua companhia, não vale a pena. Não dá pra viver e permitir as outras pessoas serem felizes assim. Embora minha visão da vida quase sempre esteja embriagada, é mais correta que outras. Mesmo que eu passe algumas noites ao lado do balcão, ao lado de um whisky estilo caubói, e outras noites ao lado de belas moças, eu sei a diferença entre isso e amor. Amor não é assim. Não conheço pessoas que se amem. Acredito que elas se suportem aos poucos, pensando que irá melhorar ou que voltará a ser como no início. E em algum momento elas percebem que não tem mais opções e ficam juntas. E só. Claro que ela tem me feito falta, claro que sinto vontade que ela morra e que ela volte ao mesmo tempo. E sei também todos os erros que cometi por que fiquei perdido quando tudo aconteceu. Tudo. E então outras conquistas virão. Até o dia em que surgirá a pessoa que poderá tapar esse vazio no peito.